*Por Dr. Fernando Graça Aranha (CRM-SC 12033 | RQE 5746), Cardiologista e Intensivista.
Por que algumas pessoas, mesmo comendo muito menos que outras, são mais obesas? Seria justo achar que as indivíduos com sobrepeso ou obesidade são preguiçosos ou gulosos? Trata-se de um rótulo merecido?
Acumular energia para eventuais períodos de falta de disponibilidade de alimento é uma prioridade para qualquer animal, inclusive para os seres humanos. Se tomarmos como exemplo os ursos, eles seriam incapazes de sobreviver aos invernos se não armazenassem boa quantidade de gordura nos períodos de mais abundância, onde tinham a possibilidade de se alimentar melhor e “guardar” energia. Todos os outros animais selvagens têm esta mesma capacidade em alguma proporção. A espécie humana não é diferente.
Ao longo da nossa evolução ancestral, a disponibilidade de alimento foi muito pequena em vários períodos, de forma teimosamente persistente. Nossa sobrevivência só foi possível face a nossa capacidade de armazenar energia quando éramos capazes de obtê-la, na maior quantidade conseguida.
Onde temos energia acumulada para gastar quando não temos alimento disponível para comer e usar? O primeiro “estoque” de que lançamos mão é acumulado no fígado, na forma de glicogênio. O montante ali é limitado e normalmente suficiente para nos sustentar por pouco mais de um dia ou um dia e meio de jejum total. Outro local onde armazenamos energia são nossos músculos. Este “estoque” será consumido em caso de jejuns prolongados, desnutrição e graves acometimentos que nos obriguem a utilizá-lo. Entretanto, nosso foco principal de abordagem é nosso tecido adiposo, a gordura!
Gordura Corporal e Estoque de Energia
A gordura corporal representa estoque importante de energia. Em alguns casos, suficiente para várias semanas ou mesmo meses no caso de falta de acesso à alimentação. Em situações fisiológicas (de normalidade) de jejum, assim que esgotamos a energia armazenada no fígado, começamos a “queimar” o estoque de gordura para obter mais combustível para que nosso corpo funcione.
Nos tempos de hoje, em que a enorme maioria da população mundial tem acesso a mais “energia” do que precisa, o seu acúmulo em forma de gordura se converteu em um problema de saúde pública. Mesmo as camadas menos favorecidas socialmente enfrentam este problema de forma crescente.
Nas últimas décadas, a oferta de alimentos ricos em carboidratos refinados, cuja absorção é mais rápida, se multiplicou tremendamente. Isso foi agravado e estimulado pela crença de que estes alimentos seriam mais saudáveis por não conter as temíveis gorduras que seriam tão perigosas ao nosso coração. Dietas à base de carboidratos foram propaladas mundo afora e mesmo recomendadas por governos, sociedades médicas e por nutricionistas. Cada vez surgem mais evidências de que isso gerou resultado catastrófico! O número de obesos e diabéticos (Diabete Tipo 2) aumentou de forma impressionante nas últimas cinco décadas, configurando uma terrível epidemia que ainda está em expansão. Em outro post aqui no blog, aprofundamos a influência da alimentação sobre as doenças cardíacas, Diabetes Tipo 2 e Obesidade.
Por que muitos engordam e outros não, mesmo se sujeitos a dietas semelhantes?
Quando submetidos a dietas com grande proporção e quantidade de carboidratos, nosso organismo produz várias reações. Entre elas, a elevação de um hormônio liberado pelo nosso pâncreas, chamado insulina. A insulina tem como objetivo levar a glicose (açúcar) do sangue para dentro das células, para que ela seja utilizada como fonte de energia e/ou convertida em estoque.
Uma das características que diferencia os “acumuladores” de gordura dos que gastam mais é uma condição rotulada como “resistência insulínica”. Resumidamente, podemos dizer que os indivíduos com esta condição terão maior tendência a engordar que os que não a tenham, mesmo se submetidos a dietas idênticas.
Esta é, também a base para o desenvolvimento do Diabete Tipo 2. Estimulamos a secreção de insulina com a alimentação rica em carboidratos, há resistência à insulina no nosso organismo, produzimos mais insulina para compensar… e o quadro vai se agravando continuamente.
Esta diferença entre efeito e ação da insulina, entre outros, explica porque alguns indivíduos tem muita facilidade para engordar, enquanto outros são “irritantemente” magros, mesmo comendo muito e sem nenhuma restrição. Não se trata de preguiça ou gula, a base é a resistência à insulina.
O Efeito dos Carboidratos Refinados
Os carboidratos e a consequente elevação da insulina causada pela ingesta deles provoca uma necessidade grande de comermos mais. Somente às custas de muito sofrimento conseguimos controlar estes impulsos. É difícil manter o controle o tempo todo sobre estes desejos.
Os carboidratos refinados, de rápida absorção, levam à elevação dos níveis de açúcar no sangue. Também estimulam partes do cérebro que, literalmente, provocam dependência, de forma semelhante ao álcool e às drogas.
Juntando então o poder viciante de certos alimentos, a maior disponibilidade deles e as características de muitos indivíduos de resistência à insulina e à elevação dos níveis da mesma, temos aí todas as condições necessárias para o agravamento da epidemia de obesidade e Diabete Tipo 2.
Podemos então concluir que os indivíduos “gordinhos” não têm na gula e na preguiça a causa base do problema. Por outro lado, não podemos nos fazer de vítimas ou nos consolar com o fato de termos encontrado uma boa explicação para dar, principalmente para nós mesmos, por nunca conseguirmos nos manter de forma sustentável com o peso que desejamos.
Qual dieta ajuda a prevenir Obesidade e Diabetes Tipo 2?
Qualquer um que tenha esta condição já tentou várias dietas, programas de exercício e mesmo uso de medicações. Muitos, inclusive, alcançaram sucesso. O problema é que, quase na totalidade dos casos, o sucesso é em alguma medida fugaz. A grande maioria acaba engordando de novo.
Por que engordamos novamente? Quase todas as dietas recomendadas incluem a óbvia redução das calorias a serem ingeridas. Isso funciona para perder peso. Entretanto, a maioria não contempla a redução agressiva na ingesta dos carboidratos refinados. Portanto, o estímulo à liberação da insulina persiste. Isso explica porque estas dietas, mesmo que funcionem por algum tempo, causem tanto sofrimento. Insulina causa fome! Podemos até resistir por algum tempo e não comer, mas sofremos muito e, eventualmente, vamos ceder até nos entregarmos novamente ao maior consumo de alimentos ricos em carboidratos e ao aumento do peso.
Concluiremos então, novamente, que a causa do problema somos nós que não temos a força de vontade e disciplina necessárias. Não é bem assim…
Este artigo não tem a pretensão de recomendar especificamente nenhuma dieta. É condição fundamental, mandatória mesmo, que dietas que objetivem emagrecimento ou auxílio no controle do Diabete Tipo 2 tenham acompanhamento profissional. Avaliação de um médico e nutricionista são importantíssimos. Cada indivíduo tem particularidades que o farão reagir de forma diferente. Assim, só com acompanhamento de perto isso pode ser detectado e conduzido, principalmente nas inúmeras situações de coexistência com outras doenças ou condições de saúde. Converse com seu médico!
Mas, em linhas gerais, é justo dizer que grande parcela da causa da epidemia mundial de obesidade e Diabete Tipo 2 reside na dieta à base de carboidratos refinados. Hoje, é notório que a redução ou cessação da ingesta de determinados alimentos causa enorme benefício. Estes alimentos são fácil e satisfatoriamente substituídos com adequada orientação profissional.
Que alimentos são estes?
Pães, alimentos à base de trigo, qualquer alimento com açúcar ou afim, cerveja, arroz refinado, batata inglesa e sucos de frutas (sim, mesmo os naturais) são alguns dos mais importantes “alimentos problemáticos” a serem inicialmente identificados.
É importante ressaltar, novamente, que estes alimentos são facilmente substituídos. Há dezenas de outras particularidades sobre variados tipos de alimentos, óleos, vitaminas, etc. A enorme complexidade disso demanda mais atenção do que a que usualmente dispensamos. Por isso a necessidade de contar com orientação profissional.
Mudar a alimentação sem passar fome é o segredo principal para uma reeducação que culmine em uma melhora sustentável e de longo prazo no seu peso e na sua saúde. É possível fazer isso sem fome e sem sofrimento! As evidências científicas que suportam tais afirmações são abundantes e sólidas.
Por fim, é importante reforçar que não se deve tentar mudanças radicais na alimentação sem auxílio de profissional de saúde. Como ressaltado, cada pessoa reagirá de forma diversa e a orientação profissional é fundamental. A presença de doenças coexistentes ou fatores de risco para doenças cardiovasculares torna esta recomendação ainda mais enfática. Converse com seu médico!
Sobre o Autor:
*Dr. Fernando Graça Aranha (CRM-SC 12033 | RQE 5746) é Cardiologista e Intensivista. Atua no Hospital SOS Cárdio, como Coordenador Geral da UTI e Diretor Técnico, e atende em consultório na clínica Prevencordis. Contato: prevencordis.fernando@gmail.com
Para saber mais sobre o impacto da alimentação na prevenção de doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e obesidade, leia também o outro post escrito pelo Dr. Fernando Graça Aranha aqui.