Febre Reumática e Doenças do Coração
O termo Febre Reumática está diretamente relacionado a dois sintomas que essa enfermidade pode causar: febre e reumatismo (dor nas articulações). No entanto, essa doença inflamatória, que costuma atingir crianças de 3 a 15 anos de idade, pode afetar, além das articulações, outros órgãos, como a pele, o cérebro e o coração. No caso do coração, pode deixar sequelas por toda a vida e até levar à morte.
“As Válvulas Cardíacas são as únicas estruturas que ficam com sequelas após a Febre Reumática, como insuficiência valvar e/ou estenose valvar, colocando a vida das pessoas em risco. Se não for prevenida ou tratada a tempo, a Febre Reumática pode fazer com que até mesmo crianças tenham que passar por cirurgias de reparo e para troca de válvulas, especialmente nas posições mitral e aórtica” – Dr. Maurício Laerte Silva, Cardiologista Pediátrico (CRM-SC 2858).
Abaixo, o Dr. Maurício Laerte Silva, Cardiologista Pediátrico (CRM-SC 2858), explica como a Febre Reumática é provocada. Aborda, também, quais os riscos e como se proteger da doença.
Como acontece a Febre Reumática?
A Febre Reumática está muito associada às condições sanitárias e de acesso aos serviços de saúde. Ela tem início através de uma infecção respiratória provocada por algumas bactérias do grupo Streptococcus, muito comuns em nosso dia a dia. Tanto as amigdalites como as faringoamigdalites estreptocócicas podem ser o fator desencadeante da febre reumática.
As infecções na garganta têm um início bastante comum. Essa característica pode fazer com que o diagnóstico de Febre Reumática não seja feito de imediato. Clinicamente, as manifestações são:
- Febre;
- Dor de garganta;
- Caroços no pescoço (gânglios aumentados);
- Vermelhidão intensa, pontos vermelhos ou placas de pus na garganta.
Predisposição Genética
Apesar de comum, nem todas as crianças com infecções de garganta provocada por Streptococcus irão desenvolver Febre Reumática. Existem pessoas que sofreram com esse quadro inúmeras vezes ao longo da infância e da vida, e nunca tiveram Febre Reumática. Para desenvolvê-la, então, é necessário ter uma predisposição genética.
“Para que a infecção na garganta possa evoluir para Febre Reumática, é preciso que a pessoa tenha uma característica particular no próprio organismo, que permita com que ela desenvolva uma reação imunológica anômala e faça com que a doença atinja outros órgão, como o cérebro e o coração. A predisposição necessária para apresentar a doença é herdada dos pais e já nasce com a criança” – Dr. Maurício Laerte Silva, Cardiologista Pediátrico (CRM-SC 2858).
Manifestações da Febre Reumática
Como vimos, nem todas as pessoas com infecções de garganta provocadas por Streptococcus irão desenvolver Febre Reumática. No entanto, aqueles que possuem histórico de doença na família devem ficar muito atentos.
Em geral, as manifestações da Febre Reumática tendem a surgir entre uma a três semanas após a infecção de garganta. Elas costumam envolver:
Artrite migratória:
Passa de uma articulação para outra após alguns dias. A dor intensa, o inchaço e o calor provocam dificuldades para caminhar. Joelhos, tornozelos, punhos e cotovelos são as articulações mais acometidas. Já quando a manifestação é cerebral, no caso a Coréia, esta pode levar meses para surgir.
Cardite:
Inflamação em uma ou mais das três camadas do coração (na membrana que o reveste, no músculo e no tecido que recobre as válvulas). Pode ser diagnosticada clinicamente pelo sopro cardíaco, pelo aumento da freqüência dos batimentos do coração e pelas queixas de cansaço e batedeira aos esforços.
“Trata-se da manifestação mais importante. Pode deixar sequelas nas válvulas, que não conseguem mais abrir ou fechar direito. Dessa forma, limitam a vida do paciente – mesmo os mais jovens” – Dr. Maurício Laerte Silva, Cardiologista Pediátrico (CRM-SC 2858).
Coréia:
Coréia é o nome de uma manifestação no Sistema Nervoso Central. É caracterizada por mudanças bruscas de humor, fraqueza nos braços e pernas, e por movimentos involuntários que pioram quando a criança fica tensa e que desaparecem durante o sono.
Importante: Nem toda criança com Febre Reumática apresenta febre como sintoma, especialmente após o quadro de infecção na garganta ter cessado. Os problemas articulares e cardíacos se manifestam mais próximo ao episódio de infecção na garganta. Porém, no Sistema Nervoso Central, podem se manifestar muito tempo após o quadro infeccioso ter cessado.
Diagnóstico de Febre Reumática
O diagnóstico precoce é fundamental para o tratamento da febre reumática e para impedir possíveis sequelas no coração. Ele é, por essência, clínico. Não existe, ainda hoje, um teste laboratorial com marcador específico para a doença. Amigdalite e faringite podem indicar contato com a bactéria Streptococcus e devem ser observadas com atenção.
“Os critérios clínicos para diagnóstico da Febre Reumática existem desde 1942. Passaram por revisão em 1992 e, a última, em 2015, incluiu o Ecocardiograma como ferramenta para diagnosticar lesões já existentes antes mesmo da ausculta” – Dr. Maurício Laerte Silva, Cardiologista Pediátrico (CRM-SC 2858).
Tratamento da Febre Reumática
O tratamento da Febre Reumática é feito com penicilina. Trata-se de um antibiótico que deveria ser de fácil acesso, mas que pode não ser para pessoas que vivem em comunidades interioranas, por exemplo. O tratamento deve ser realizado o quanto antes, mesmo que a infecção na garganta tenha acontecido há mais de 3 semanas.
“A forma mais eficaz de tratamento é a penicilina injetável, que age por vários dias. No tratamento oral, as pessoas podem acabar esquecendo de tomar a medicação e ficarem expostas. A eficácia do tratamento injetável costuma ser bastante alta. Tem por objetivo eliminar as bactérias o mais rápido possível e, assim, impedir a exposição do organismo a ela . Com isso, evita-se o desenvolvimento da reação imunológica que pode atingir as valvas cardíacas, por exemplo” – Dr. Maurício Laerte Silva, Cardiologista Pediátrico (CRM-SC 2858).
A artrite, dependendo do diagnóstico médico, poderá ser tratada com anti-inflamatórios não hormonais, por algumas semanas. Para o tratamento da Coréia – também de acordo com avaliação médica – o haloperidol ou o ácido valpróico podem ser indicados até os movimentos cessaram.
“Já para o comprometimento do coração, recomenda-se o acompanhamento de um cardiologista. Ele poderá prescrever doses específicas de corticoide para o tratamento. Nos casos mais graves, a cirurgia cardiovascular pode ser necessária. Ela pode reparar as valvas (plastia) ou a substituir a valva nativa danificada por uma prótese biológica ou mecânica pode ser necessário” – Dr. Maurício Laerte Silva, Cardiologista Pediátrico (CRM-SC 2858).
Por quanto tempo tomar a Penicilina?
Ainda não existe uma vacina para prevenir a Febre Reumática. Por isso, aqueles que possuem histórico de doença na família devem ficar muito atentos. Diferente de outras doenças em que o paciente adquire imunidade parcial ou total após o primeiro evento, a Febre Reumática pode ser recorrente diversas vezes ao longo da vida. Assim, pode deteriorar cada vez mais as valvas cardíacas – podendo ser necessária cirurgia para plastia ou troca valvar.
- Prevenção primária: Envolve desde medidas de higiene básicas, como lavar as mãos corretamente e evitar contato com pessoas doentes, até a adoção de políticas de saneamento e saúde mais complexas, com diagnóstico e tratamento precoces de infecções suspeitas de serem causadas por estreptocócica. O ideal é evitar o contato com a bactéria. Em casos suspeitos, não deixar que as infecções de garganta por Streptococcus possam evoluir – especialmente em pessoas que possuem histórico familiar da doença.
- Prevenção secundária: Uma vez que a Febre Reumática foi diagnosticada e que pode acontecer várias vezes ao longo da vida, é muito importante que as pessoas que já adquiriram a doença realizem a prevenção secundária. Especialmente quem trabalha e convive com aglomerado de pessoas e/ou pessoas doentes diariamente ou com muita frequência. É o caso de professores, profissionais da saúde e militares, por exemplo.
“Se, após o episódio de Febre Reumática, a criança não apresentou comprometimento do coração, ela deverá tomar penicilina até os 21 anos ou por, no mínimo, 5 anos após o diagnóstico, caso seja um adolescente. Já as crianças com comprometimento do coração poderão ter que fazer isso até os 25 anos ou por toda a vida. A conduta depende da gravidade do quadro e do grau de exposição que possuem” – Dr. Maurício Laerte Silva, Cardiologista Pediátrico (CRM-SC 2858).
Sobre o autor:
Dr. Maurício Laerte Silva, Cardiologista Pediátrico (CRM-SC 2858). Formou-se pela Universidade Federal de Santa Catarina (1974 – 1979), foi Médico do Hospital Universitário (1983 – 2015) e Professor colaborador da UFSC (1988 – 2008). Cursou Residência Médica em Pediatria no Hospital Infantil Joana de Gusmão em Florianópolis,SC, e Especialização em Cardiologia Pediátrica, Ecocardiografia e Aperfeiçoamento em Recuperação Cardíaca em Pós-Operatório Infantil no Instituto do Coração, (INCOR), em São Paulo. Mestrado em Ciências Médicas pela Universidade Federal de Santa Catarina (1998 – 2000), Mestrado em Epidemiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2013-2016) e Doutorado em Ciências Médicas (2010-2015) pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Diretor geral no Hospital Infantil Joana de Gusmão (2003 a 2011 e 2017-2018), Dr. Maurício Laerte também possui experiências internacionais. No National Institute of Child Health and Human Development, NICHD,Wayne State University Hospital, em Detroit, Michigan, Estados Unidos, realizou Aperfeiçoamento em Cardiologia Fetal, no programa de Perinatal Research Post Doctoral Fellowship (1993-1994). Na Georgetown University, GU, em Washington DC, Estados Unidos, realizou Aperfeiçoamento em Cardiologia Fetal, no programa de Perinatal Research Post Doctoral Fellowship(1994-1995), complementado em Santiago, Chile , no Hospital Sótero Del Rio(1994-1995).